Por Mario Wiedemann

 

Os Waurá (Wauja) são um grupo indígena que habita a Terra Indígena do Xingu e, segundo dados do Siasi/SESAI (2014),  são cerca de 540 indivíduos. Eles estão integrados ao sistema cultural dos povos do Alto Xingu, falantes do Maipure, uma língua do tronco Aruak (Arawak), assim como os Yawalapiti, os Meninako e outros grupos na região. 

Boa parte do povo Waurá vive próximo da Lagoa Piyulaga, outra parte vive na Aldeia Piylulaga, localizada às margens do rio Batovi, no estado de Mato Grosso. Muito embora a aldeia seja circular com um pátio central limpo, seguindo o padrão Alto Xinguano, a organização espacial e social dos Waurá apresenta casas distribuídas de forma diferenciada. Essa nuance cultural reflete a cosmologia e riqueza cultural, representativa no Alto Xingu, manifestada nos rituais, no dia a dia e nos encontros espirituais. A lagoa e o Rio Batovi, que pertence à bacia dos formadores do Rio Xingu, estão conectados pelas águas, que ligam os Waurá a outros grupos do Xingu. 

Os Waurá assim como outros grupos do Brasil central, foram densamente estudados pela etnologia e pela arqueologia e de forma análoga, foram contactados e registrados pela primeira vez pelo alemão Karl Von Den Steinen, no final do século XIX.  O que o etnógrafo registrava naquele momento, eram as grandes aldeias circulares e uma população numerosa, todos descendentes de grupos Aruak, vindos do leste amazônico e que plantaram suas raízes no Batovi há pelo menos 1000 anos antes. A intensificação dos conflitos com não-índios na primeira metade do século XX, deu lugar a certa estabilidade com a criação do Parque Indígena do Xingu, na década de 1960. Nesta época, as frentes de expansão dos não-índios, da pecuária e dos madeireiros  já haviam impactado os povos do Xingu e seus formadores e hoje essas pressões ainda representam perigo para a manutenção do modo de vida e escolhas destes povos.

 

O que a cosmologia ociendal chama de arte ou cultura material é domínio do povo Waurá, como são intensas e complexas as interações desse povo com o que chamamos de natureza. Através de relações ancestrais, extraem óleos e tinturas do urucum, do jenipapo e do pequi; cultivam e coletam plantas medicinais e são agricultores-pescadores, manejando a mandioca e outras raízes. Constroem adornos de miçangas e plumária, uma de suas artes exemplares no Xingu. Para as festas e rituais, muitas ferramentas de trabalho são produzidas, como as máscaras e os cestos, nos quais são aplicados os grafismos ancestrais dos Waurá. Os Waurá são considerados mestres ceramistas. Homens e mulheres trabalham essa arte, moldando, pintando, e depois cozendo peças requintadas na modelagem e no grafismo. A cerâmica traduz um saber, um conhecimento,  que conecta os Waurá a esse território arqueológico e expandem a compreensão que devemos ter sobre a cosmovisão dos povos ameríndios e a nossa.  

 

O xamanismo é uma das marcas da cosmologia dos povos do Alto Xingu. Não obstante a trajetória nos últimos 4 séculos, os Waurá conservam viva a relação com os seres “extra-humanos”, os Munä dos céus, das águas e da floresta. Essa relação é estabelecida e celebrada através de muitas festas e muitos rituais xamânicos, esses, conduzidos pelo Xamã, aquele que, segundo a etimologia, enxerga no escuro. Os Apapaatai e os yerupöhö são seres invisíveis (Kumã), são espíritos que habitam a aldeia e um dos principais causadores de doenças e instabilidade. Nesta relação, os Waurá fazem a Festa das Máscaras, como forma de manterem-se protegidos.  As máscaras Apapaatai  são uma das práticas artístico-espirituais dos Waurá.

Nos rituais e festas, a música e a dança acompanham e guiam esse povo com o cosmos e as flautas dão o tom. As flautas são  instrumentos que tocam o espírito. São hábeis na comunicação dos corpos, celestes e físicos. A cultura musical dos povos ameríndios é um dos elementos e habilidades desenvolvidas em uma ampla rede de processos de interação e transformação.  

 

Fotos de Renato Soares da comunidade indígena Waurá.